Aquele gol que eu escrevi #28
Vigésima oitava edição de uma newsletter de gols e outras coisas mais
Na última segunda-feira, um dia após a Páscoa, evento fundamental para o calendário cristão, um nome fundamental do Cristianismo nos deixou: Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco.
Primeiro Papa latino americano, o argentino era apaixonado por futebol e essa não era a única diferença dele em relação a praticamente todos os outros Papas que o antecederam.
Dado o tamanho do impacto da notícia e o fato desta newsletter tratar de futebol e de outras coisas mais, o texto de hoje fura uma fila que vinha sendo organizada para essa e as próximas semanas e fala de um gol que com certeza foi muito comemorado pelo Papa Francisco.
Não chega a ser um conclave, mas daqui a pouco já tenho um conselho de classe pela frente, por isso a edição de hoje vem logo cedo, prática comum nos sábados escolares deste que vos escreve.
Voltemos à Libertadores de 2014!
O papa do futebol (e de outras coisas mais)
Lá nos idos de 1946, um menino argentino, à época com apenas dez anos de idade, era levado por seu pai para assistir aos jogos do San Lorenzo no Viejo Gasómetro. Essa poderia ser a história de muitos e muitos meninos deste país vizinho ao nosso que tanto ama o futebol.
Naquele ano, o clube azul y rojo conquistou o seu sexto título argentino e jogou um futebol que já reproduzia o que muitas décadas mais tarde viria ser a marca de outro time com cores bem parecidas: o famoso tiki-taka, estilo de jogo que preza por uma rápida e constante troca de passes entre os jogadores, oferecendo aos torcedores um jogo vistoso, que encanta e faz brilhar os olhos.
Talvez a mistura desses elementos - o incentivo paterno, a identificação com o seu próprio local e o jogo bonito desenvolvido pelo time -, tenha feito aquele jovem Jorge Mario se apaixonar pelo Club Atlético San Lorenzo de Almagro. E a paixão por um clube de futebol, a gente sabe, é coisa que geralmente começa cedo, toca profundamente e é levada para o resto da vida.
Vida que toma rumos diversos e pode fazer de um menino apaixonado por futebol um Papa da Igreja Católica. Exatos sessenta e sete anos depois de acompanhar o título de seu clube do coração dentro do estádio, com a companhia de seu pai, Jorge Mario viria a ser eleito o ducentésimo sexagésimo sexto Papa, entronizado no dia 19 de março de 2013.
Nesse longo hiato, o mundo girou e se transformou várias vezes, a trajetória de Jorge Mario enquanto líder religioso se desenvolveu e sempre teve como pedras fundamentais a humildade, a preocupação com os mais pobres e a valorização e a disseminação do diálogo inter-religioso. Características que teoricamente seriam pré-requisitos básicos para todo e qualquer líder religioso, mas que se foram e são tomadas como pontos de destaque do torcedor do San Lorenzo já mostram, ainda que indiretamente, que na vida real não é bem assim que a coisa funciona.
Apesar de enormes mudanças que esse espaço de tempo de quase sete décadas inevitavelmente sempre irá trazer, algumas coisas permaneceram. Uma delas foi a ausência de um título da Copa Libertadores da América na galeria de troféus do San Lorenzo. Mesmo tendo conquistado o Campeonato Argentino várias vezes nesse meio tempo e também levado dois títulos continentais em 2001 e 2002 (a última edição da Copa Mercosul e a primeira edição da Copa Sul-Americana), o tabu naquela que é a maior competição de clubes das Américas seguia vivo e incomodando o agora papa e toda a torcida dos “cuervos”.

Até as iniciais do time, que aparecem no escudo do mesmo, viravam motivo de piada entre os rivais: C. A. S. L. de A. (iniciais de Club Atlético San Lorenzo de Almagro) eram lidas como Club Atlético Sín Libertadores de América. Só que exatamente no ano seguinte à entronização de Jorge Mario Bergoglio como Papa Francisco, a “maldição” iria acabar. Milagre?
A Copa Libertadores de 2014 teve uma série de particularidades, algumas envolvendo diretamente o Brasil. Desde 1991, em nenhuma edição da competição o Brasil não levava pelo menos um representante até as semifinais, mas em 2014 tivemos, entre os quatro melhores da competição, um uruguaio, um boliviano, um paraguaio e o argentino San Lorenzo. Outro detalhe que envolve diretamente essa competição e o nosso país é o fato de ter ocorrido uma paralisação dos jogos, após a disputa das quartas-de-final, em virtude da Copa do Mundo daquele ano, realizada aqui no Brasil.
A quinquagésima quinta edição da maior competição de clubes das Américas também proporcionou um arranjo único entre os dois finalistas, o San Lorenzo de Papa Francisco e o modesto Nacional do Paraguai (que apesar de carregar o mesmo nome e as mesmas cores do tradicional vizinho uruguaio, nunca havia passado sequer da fase de grupos da Liberta). As duas equipes haviam feito as duas piores campanhas da fase de grupos. A classificação para as oitavas veio na bacia das almas e na fase de mata-mata as duas equipes, surpreendendo a todos, foram eliminando os rivais que vinham pela frente e chegaram no mês de agosto qualificados para uma final inédita.
O jogo de ida, no Paraguai, terminou empatado em 1 x 1, deixando tudo em aberto para a finalíssima, que foi realizada no dia 13 de agosto de 2014 no Nuevo Gasómetro, estádio do San Lorenzo, exatos dezessete meses depois do dia da decisão do Conclave de 2013, que escolheu Jorge Mario Bergoglio como papa.
Até por conta de sua história e tradição, pelo fato de jogar em casa e pela enorme angústia para enfim conquistar um título da Libertadores, a equipe argentina aparecia como favorita. Os azarões paraguaios, contudo, sabiam muito bem que favoritos eram feitos para serem desbancados e jogaram sem medo em solo argentino. O jogo, em si, não mostrava uma esperada superioridade do San Lorenzo, mas havia um braço no meio do caminho.
Aos trinta e quatro minutos da primeira etapa, o lateral Ramón Coronel, na tentativa de bloquear um chute/cruzamento nem tão perigoso assim do uruguaio Cauteruccio, levantou o braço mais do que devia. Um daqueles pênaltis claros, que não precisam de VAR nem nada.
Bola na marca da cal para o argentino naturalizado paraguaio Néstor Ortigoza bater. Um gol de pênalti, na maioria das vezes, não é dos mais atrativos. Só que existem pênaltis e pênaltis. Nesse caso, aqueles onze metros que separavam a bola do gol poderiam significar muito mais do que apenas uma bola na rede, poderiam significar o fim da espera de uma torcida apaixonada que tinha, naquele momento, um dos seus tantos torcedores dentro do Vaticano, certamente arranjando algum jeito, no meio de uma agenda das mais atarefadas, de acompanhar o seu time do coração.
Ortigoza foi para a bola de um jeito estranho, para dizer o mínimo. Tomou muita distância e caminhou em linha reta para a bola, o que talvez pudesse gerar uma confusão na cabeça do goleiro do Nacional, Ignacio Don. Somente quando chegou bem próximo da bola, o camisa 20 deu uma leve inclinada no corpo, para bater de pé direito no cantinho esquerdo do goleiro, que caiu para o outro lado. Explosão nas arquibancadas! Aquele gol dava ao Ciclón a vantagem no duelo, vantagem essa que não seria perdida. O novo papa poderia comemorar, enfim, um título de Libertadores do seu querido San Lorenzo.
Esse momento único na história do clube argentino não foi o único que ligou o Papa Francisco ao futebol. Várias são as imagens, eventos e entrevistas que associam o líder religioso ao esporte bretão. Fecho o texto de hoje com um bom exemplo disso: Emmanuel Gobilliard, responsável do Vaticano para os Jogos Olímpicos de Paris, de 2024, em entrevista dada no final de 2023 sobre a relação do Papa com o futebol, afirmou o seguinte:
Descanse em paz, Francisco! Que o seu senso de coletividade seja sempre lembrado, independentemente da religião.
Depois de esgotar o tempo regulamentar…
Além de tudo o que foi dito no texto, uma referência que sempre me lembra do Papa Francisco é a canção “Papa Francisco perdoa Tom Zé”. Deixo uma versão em vídeo dela, interpretada pelo grupo paulistano “O Terno”.
A canção apareceu originalmente no “Tribunal do Feicibuqui”, disco de 2013, de Tom Zé, e é uma parceria de Tom Zé e Tim Bernardes:
Fechamos abril? Fechamos! Mês que vem eu fico mais velho e seguirei por aqui com muitos textos e muitos gols!
Espero que você, pessoa leitora desta singela newsletter, siga acompanhando os textos, relembrando ou conhecendo os gols e, caso queira, sugira gols para edições vindouras!
Por hoje é só.
Fica aquele apelo de sempre: leia, curta, comente, compartilhe, assine… Todo esse processo que ajuda bastante nesse universo virtual!
R.