Chegamos à sétima edição da newsletter e com ela o primeiro gol argentino (de muitos outros do país vizinho que certamente ainda aparecerão por aqui).
Depois de me aventurar no tema dos gols olímpicos na última edição, trago hoje como mote central uma eterna polêmica que por vezes ronda o futebol: a comemoração de gols contra o ex-time. Pode ou não pode?
Aos leitores que me acompanham desde o início e aos que estão chegando por agora, sejam mais uma vez muito bem-vindos! Fiquem à vontade para responder essa questão nos comentários e sugerir gols para as próximas edições.
Bora pra Roma!
Roma foi pouco*
A memória é um tema que já mobilizou e segue mobilizando uma série de estudiosos, historiadores e várias outras pessoas que simplesmente podem se interessar por refletir e entender um pouco mais sobre as marcas que deixamos e são deixadas no tempo.
Cultivar a memória pode ser, para um povo, uma ferramenta incrível para reconhecer aquelas e aqueles que construíram a sua própria história e também para se equipar para o futuro que se anuncia.
Mas por que trazer um tom tão grandiloquente nesses primeiros parágrafos da newsletter de hoje? Será por que tudo aquilo que se relaciona a Roma de alguma forma sugere a grandiosidade?
Brincadeiras à parte, o primeiro gol da Roma que aparece aqui na AGQEE saiu do pé direito de Gabriel Omar Batistuta, o personagem principal do texto de hoje. O devaneio inicial sobre a memória veio para introduzir a principal discussão que me motivou essa escrita: afinal de contas, pode ou não pode comemorar gol contra um ex-time? Penso que a resposta para essa questão que vira e mexe aparece no ambiente futebolístico não é unívoca e vou tentar dar a minha perspectiva sobre o tema nas linhas que se seguem, partindo deste golaço do centroavante argentino.
Inicialmente renegado por grandes clubes de seu país, como o Boca Juniors e o River Plate, Batistuta acabou saindo cedo da Argentina para ir jogar na Fiorentina, mais precisamente na temporada 1991/92. Naquele momento ainda desconhecido do grande público, o cabeludo atacante aos poucos foi ganhando seu espaço no futebol italiano e também na própria seleção argentina.
A identificação com o time da clássica camiseta roxa com patrocínio da Nintendo (um verdadeiro item de luxo para todo museu de cultura pop dos anos 1990) foi enorme e ao longo da década de 90 outros argentinos e sul-americanos com faro de gol afiadíssimo foram seguindo o caminho aberto por Batistuta: Crespo, Salas, Zamorano. Todos eles viraram nomes de destaque da então fortíssima Liga Italiana ou Serie A.
Aos poucos, Gabriel Omar foi se transformando em peça fundamental também para a Argentina, que viveu uma década de 90 de muitos craques, mas poucos resultados expressivos. Sendo o camisa 9 da liga nacional mais forte da época e de uma tradicional seleção, como a argentina, não demorou muito para o interesse de grandes clubes do futebol mundial, como o Real Madrid, por exemplo, voltarem-se para o cabeludo atacante.
Ao buscar em matérias da época, parece que não foi apenas uma ou duas vezes que Batistuta recusou ofertas financeiramente melhores, de clubes com maior expressão, para permanecer na Fiorentina. O elo com o time da cidade-símbolo do Renascimento Cultural, no entanto, foi rompido no fim da década de 90 e ao invés de sair para um time de outro país, o atacante argentino acabou optando por permanecer na Itália e ir para outra cidade de enorme relevância histórica: a cidade eterna, Roma.
O objetivo com essa mudança era claro: Batistuta não queria continuar amargando boas atuações, seja na Fiorentina, seja na Argentina, mas não conseguir levantar troféus. O forte time montado por Fabio Capello, que além de Batistuta contava com outros nomes de destaque como o craque e camisa 10 Francesco Totti, Cafu, Emerson, Nakata, Montella, Delvecchio, dentre outros, colocou fim a um jejum de dezoito anos sem título italiano na temporada 2000/01.
Toda essa breve recapitulação histórica do contexto da saída de Batistuta da Fiorentina para a Roma foi para chegarmos ao que mais importa para esta newsletter, o gol. E esse gol num chute decidido (un destro fabuloso), sedento por balançar a rede, veio depois de várias tentativas de Batistuta. Vontade de marcar não faltou para ele nesse jogo e isso na verdade era uma tendência na carreira do atacante. Uma união entre raça e técnica cada vez mais rara de se ver em centroavantes.
No entanto, depois de finalmente conseguir furar o bloqueio florentino, Batistuta ainda assim optou por não comemorar. Da mesma forma que raça e técnica entrelaçavam-se tão bem dentro do futebol do argentino, essa não-comemoração também transmite, ao menos para mim, um entrelaçamento muito bem balanceado entre o respeito e a petulância, se é que essa mistura possa fazer algum sentido.
Pelo simples fato de ter uma história ou ter pertencido a algum time ou instituição, respeitá-la quando se está do outro lado pode soar como algo hipócrita, demagógico ou aproveitador. Da mesma forma, querer dar a volta por cima de situações que ficaram no seu passado pela única e exclusiva vontade de mostrar que está numa melhor pode ser algo imaturo, mesquinho, pequeno. Esses dois extremos estão distantes do meio-termo encontrado por Batistuta naquele dia 26 de novembro.
Há maneiras e maneiras de se comemorar (ou não) contra um ex-time. Independentemente da escolha, penso que é sempre bom buscar um equilíbrio como o que apareceu no gol de hoje.
*O título do texto de hoje é o nome de um bloco carnavalesco da cidade de Tiradentes/MG, onde passei o longínquo Carnaval de 2014. Até hoje não sei exatamente os motivos desse nome, só lembro, vagamente, que uma das características do bloco era a distribuição gratuita de vinhos de procedência duvidosa para os foliões que se divertiam naquelas históricas ruas. Nem sempre é preciso ser tão grandioso e solene para se falar de Roma…
Depois de esgotar o tempo regulamentar…
Nessa seção extra de hoje, um ótimo texto da Trivela sobre a campanha da Roma campeã italiana em 2000/01.
Por hoje é só.
Fica aquele apelo de sempre: leia, curta, comente, compartilhe, assine… Todo esse processo que ajuda bastante nesse universo virtual!
R.
Ele não comemorou mas claramente se emocionou. Demonstração inequívoca de respeito à ambas torcidas e agremiações. Foi bem no chute e no pós-chute.