Aquele gol que eu escrevi #02
Segunda edição de uma newsletter sobre gols e outras coisas mais
Antes de começar, não posso deixar de agradecer a todos que já chegaram por aqui, assinaram a newsletter e fizeram a leitura da edição inaugural.
Deixo meu agradecimento especial e nominal para a minha grande amiga e antiga leitora Maria Eugênia Gonçalves, que foi a primeira a compartilhar a newsletter; ao amigo do futebol e do RPG Victor Gerheim, que sugeriu a leitura da newsletter também em formato de áudio, novidade que já aparece nessa segunda edição; ao compartilhamento e leitura atenta da minha amiga Débora Beckers (primeira leitora fora do Brasil); além dos comentários empolgados e sinceros de outro amante do futebol, meu amigo de infância Lucas Paiva.
Fiquei muito feliz também de ver o compartilhamento da primeira edição feito pelo Julierme Rabello de Souza. Quando entrei no Substack cheguei até à newsletter dele e ela é uma das que leio com frequência, sempre com ótimas reflexões, crônicas e indicações.
Bora pra segunda edição!
O magro de aço
Uma alcunha dessas merece, por si só, uma série de análises, comentários e afins, mas como aqui nesta newsletter a proposta é falar de um gol especificamente, o tema do texto de hoje será um gol de título de Campeonato Brasileiro feito pelo detentor da tal alcunha.
Ronaldo Simões Angelim, nascido em 26 de novembro de 1975, na cidade de Porteiras, no Ceará, levou 34 anos e 10 dias para meter a cabeça em uma bola cruzada por Dejan Petkovic e com isso colocar fim a um jejum de 17 anos sem título de Campeonato Brasileiro do Flamengo.
Essa era exatamente a minha idade naquele ano de 2009. Enquanto Angelim abria as porteiras para a comemoração do hexa (com o perdão do trocadilho), eu estava na estrada, voltando de Pouso Alegre para São Gonçalo do Sapucaí, minha cidade natal.
Naquela época, para entrar em uma universidade você poderia tentar o vestibular próprio daquela universidade, como faziam os maias e astecas, ou então tentar a entrada através do ENEM, que ainda não era tão amplamente divulgado. Até por conta disso, não era possível fazer o Exame Nacional do Ensino Médio na minha cidade, muito pequena, e quem quisesse tentar entrar na Universidade através dessa prova tinha que ir para um dos municípios maiores e mais próximos: Varginha ou Pouso Alegre.
Acabei preferindo evitar a famosa cidade do ET e no caminho de volta da prova, ouvindo pelo rádio do carro, tive a confirmação: o Flamengo era campeão brasileiro! Pela primeira vez na vida pude sentir essa emoção e quando cheguei em São Gonçalo vi a Praça da Fonte cheia de rubro-negros comemorando o título. Uma das boas lembranças que guardo desse período da vida.
Logo quis ver os lances do jogo, o gol do título, tudo que cercou aquela conquista e hoje consigo enxergar, além de tudo o que senti na época, um roteiro dos mais especiais para esse gol.
O gol não foi de nenhum dos dois astros do time: nem de Adriano, o nosso eterno Imperador, nem do sérvio Petkovic. Foi de um zagueiro. O zagueiro em questão não havia marcado nenhum outro gol durante toda a competição, não era dos zagueiros mais altos, nem dos mais midiáticos, mas era, sobretudo, um flamenguista da mais alta legitimidade.
Além de ter feito esse gol inesquecível para todo rubro-negro, Ronaldo Angelim, tempos depois de sua aposentadoria dos gramados, já apareceu em diversas reportagens esportivas vendo jogos do Flamengo em sua casa, com camiseta rubro-negra e toda uma família ao lado torcendo. Ele é a prova viva daquilo que eu falo e repito: o Flamengo não é apenas do Rio, o Flamengo é do Brasil profundo e enraizado seja na terra, seja no mar.
Louvar e reconhecer a importância desse gol de Angelim para a história do Flamengo é também uma forma de mostrar como escolho meus heróis. Diante de acontecimentos políticos em especial, passo a entender cada vez mais que heróis só existem no ato. Não são eternos, nem perfeitos. O culto à personalidade acaba trazendo sempre mais prejuízos do que vantagens. Ainda assim, também vejo e sinto como uma tendência, no mundo em que vivemos, a opção por cultuar aqueles que compartilham conosco nossos princípios e valores. Angelim é o símbolo do herói inesperado, que não transparece vaidades e conquistou esse lugar para mim e para tantos outros rubro-negros justamente por sempre jogar para o time, por perceber a sua pequena-imensa parcela dentro de um todo maior chamado Flamengo.
Para voltar dessa pequena digressão, concluo a newsletter de hoje afirmando que muitos times e seleções ainda passarão por aqui, gols dos mais variados tipos e épocas, mas se na primeira edição eu trouxe um quase-gol do maior jogador de todos os tempos, hoje eu não poderia deixar de destacar qual é o meu time do coração.
Como diz o hino: uma vez Flamengo, Flamengo até morrer!
Depois de esgotar o tempo regulamentar…
Esse verso impossível de ser lido sem lembrar dos Novos Baianos e da voz de Baby do Brasil marca uma nova seção da newsletter, que pode aparecer ou não. Aquele espaço pós-texto com alguma indicação, referência ou curiosidade que de alguma forma se relaciona ao gol escrito.
Hoje, para comprovar o rubro-negrismo do magro de aço, deixo o link com uma matéria de pouco mais de um mês atrás, que fala sobre como Angelim simplesmente mandou aquele zap no grupo do elenco de 2009 e chamou todo mundo pra Juazeiro do Norte, no Ceará, para fazer um jogo festivo de 15 anos da conquista do hexa de 2009 (com direito a golaço do Didico e tudo):
Comemoração de 15 anos do hexa
As reflexões sobre o heroísmo que apareceram no texto de hoje vieram, infelizmente, influenciadas pelo recente caso de assédio sexual envolvendo o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida. Impossível não ter se chocado e pensado sobre o tema nos últimos dias e uma das melhores análises que ouvi sobre os desdobramentos do caso foi a do podcast Angu de Grilo, de Flávia Oliveira e Isabela Reis. Toda solidariedade à Anielle Franco e a todas as outras mulheres vítimas de assédio.
Por hoje é só.
Fica aquele apelo de sempre: leia, curta, comente, compartilhe, assine… Todo esse processo que ajuda bastante nesse universo virtual!
R.
Aquele Flamengo e Grêmio no dia do ENEM foi de uma crueldade safada do destino. No meu caso consegui fazer a prova na minha cidade, do contrário acho que iria adiar meus planos de entrar na universidade (sem exagero). Matemática foi com Deus naquele dia. A galera soltando foguete embaixo da sala onde estava fazendo prova, sacramentou talvez a decisão mais irresponsável por causa do Flamengo que já tomei (e já foram muitas, até): "vestibular tem todo ano, já fiz o que dava, bora ver o Mengo, vai saber quando isso vai acontecer de novo". Não me arrependo de nada, "Ronaldo Angelim!!!".
Meu pai era flamenguista roxo, amava futebol e certamente conhecia todos os citados no seu texto!